Carreira Entrevistas

Talks 04 com Fernando Lima

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Introdução

É um grande prazer que hoje estamos publicando o quarto episódio de nosso programa de entrevistas “Talks” e gostaria de agradecer tanto o nosso entrevistado do dia como a todos os seguidores do SAP Steps.

A ideia desse programa de entrevistas é conversar tanto com pessoas que estão diretamente ligadas ao mundo SAP (Consultores, Gerentes de Projeto, etc), como também entrevistar pessoas que estão do lado do “negócio” e que passaram ou estão passando por projetos SAP.

O Fernando é um experiente Consultor SAP do módulo de PP (Production Planning) tendo atuado em muitos mercados e países.

Abaixo, irei transcrever o bate papo que tivemos sobre a sua jornada profissional até o dia de hoje,

Entrevista

Bruno César: Bom dia Fernando, tudo bem? Antes de tudo, gostaria de agradecer por sua participação em nossa série de entrevistas. O propósito hoje é passar para os leitores do SAP Steps um pouco da sua história dentro do mercado SAP e falar principalmente sobre o seu processo de mudança do Brasil para Europa. Antes de começar a falar do tópico principal, gostaria de pedir para que você falasse um pouco sobre você, como você começou no mercado SAP, seus principais hobbies, sua família, etc?

 Fernando Lima: Já é uma vida dentro do SAP. Comecei quando terminei meu estágio na Accenture em 2006, estava no suporte de BW em Data Stage e Business Objects e então a Braskem fez a virada pro SAP. Na época toparam me ensinar SAP e queriam que eu fosse para o time de Basis. Eu nem sabia o que era, até que perguntei para o meu manager Jose Geraldo se existia alguma área não tão técnica.  Até então falaram pra eu ir para QM (sem mesmo saber o que era).

Comecei então com o suporte de QM que ainda estava estabilizando e nessa época trabalhava com a Claudia Silva e com o Andre Dedding. O Andre foi quem teve a maior paciência do mundo inteiro e me explicou tudo, detalhe por detalhe, e acredite 95% do que sei de QM, eu aprendi no primeiro ano de SAP com ele. Posso dizer que esses 95% que ele me ensinou é praticamente 90% do modulo de QM. Ele é um mestre no tema.

Sou extremamente grato a toda a paciência e dedicação do Andre nessa época! Pensa em um cara do bem.

Bruno César: Entrando no nosso principal tópico de hoje, eu gostaria de começar perguntando a você qual foi o principal motivo que te influenciou a mudar-se do Brasil para a Europa?

Fernando Lima: Creio que foi sempre um sonho ir pra fora. E só de imaginar que você pode fazer a mesma coisa em qualquer lugar do mundo, estar próximo de onde as coisas acontecem, já te cria um pouco de vontade.

No Brasil sempre olhamos para cima como se os profissionais de fora fossem de outro mundo, com profissionalismo, criatividade e experiência. Sempre ouvi de outros colegas e empresas de que os profissionais vindos da Europa e EUA eram bons demais e etc.

E quando você pega um projeto no Brasil só com gente boa, que vira sua referência profissional, seja tanto pela postura profissional quanto pelo conhecimento, você começa a querer mais estar envolvido nesse ambiente.

Muitos dos projeto que passei como PJ, os meus colegas eram mais do mesmo, todos em nível de conhecimento similar ou mesmo inferior que o meu.  Em algum momento você começa a procurar outras referências, porque existe uma vontade de desenvolver-se, e projetos pequenos (como acabaram se tornando os projetos no Brasil) , durante um tempo passa a não agregar mais.

Quando surgiu a oportunidade de ir pra fora eu nem procurando estava, eu simplesmente perguntei “ Aceita sem visto?” já esperando um não. De uma hora pra outra a coisa começou a tomar forma e quando percebi tinha sido aprovado no processo seletivo.

Quando fui aprovado falei com a minha família, e ficamos um tempo pensando naquela situação, pois era muita mudança quando a nossa vida estava bem estável.

Parecia que estava procurando um problema, porque a vida estava indo bem e tranquila, mas olhando para meus filhos (o mais velho com apenas quatro anos), pensamos que se fosse pra começar uma nova vida aquele era o momento.

E decidimos largar a vida tranquila e estável para “Arranjar para a cabeça”.

Bruno César: Pelo que me lembro, seu primeiro destino europeu foi Portugal. Por que você fez essa escolha?

Fernando Lima: Não foi bem uma escolha, foi o que tinha e que achamos que seria menos impactante na vida das crianças.  Pensei “Bem pelo menos minha filha vai saber pedir agua e/ou ir ao banheiro”. Não queria nenhuma situação extrema para eles viverem, eles já estavam perdendo as raízes quando ainda eram pequenas mudas, é muito impacto de vida em um único momento.

Bruno César: Como foi esse processo da mudança? O que sua família achou?

Fernando Lima: Posso falar que a família (esposa e filhos) era algo que me assustava e me trazia muita reflexão. Acabamos fazendo tudo muito rápido, porque se ficássemos mais um mês no Brasil, acredito que teríamos desistido (como disse anteriormente, a vida estava bem estável e tranquila). A família no geral não queria, para falar a verdade, ainda não concordam, apenas aceitam. Nós éramos base para muita resolução de conflitos e problemas familiares.

Bruno César: E quando você chegou a Portugal, você se adaptou rápido?

Fernando Lima: Não, se eu tivesse ido sozinho como a maioria faz, eu teria voltado no mês seguinte, completamente arrependido. Mas como a família veio toda junto,  sabiamos que voltar era uma opção, mas tínhamos que tentar.

Quando fui para o meu novo trabalho o que eu só pensava era “Que besteira que eu inventei!”. Lisboa não é exatamente como falam no Brasil, tem problemas, como toda cidade, mas ir direto para lugares onde estão estes problemas foi assustador.

Depois começaram outros problemas, conseguir uma casa pra viver, descobrir que o salário que ia receber não era bem aquilo eu tinha entendido. E que assessoria de mudança estava bem longe do que eu esperava.

Bruno César: E para você, qual foi o maior desafio em Portugal?

Fernando Lima: De longe o maior problema de Portugal e creio que seja um problema em grande parte dos grandes centros da Europa são os valores de aluguéis. É difícil de encontrar casa, e os salários simplesmente não acompanham os valores dos aluguéis. Em Portugal isso pode consumir facilmente metade do seu salário liquido.  No meu caso precisei de 20 dias para encontrar uma casa. Não foi no preço que gostaria, mas vivi muito bem os 2 anos que fiquei por lá. Amigos meus levaram três meses para encontrar algo.

Bruno César: Depois de um tempo em Portugal, você se mudou para a Espanha (onde inclusive reside hoje). Porque você se mudou para lá?

Fernando Lima: Portugal é um ótimo lugar para “turistar”. Viver, bem, não é mal, mas também é bem distante dos padrões de conforto que tínhamos no Brasil. Portugal precisa de gente e abriu as portas para pessoas qualificadas e não qualificadas também. Há uma série de leis de imigração que perto de outros países são bem brandas. Mas simplesmente não está preparada para isso. Serviços públicos estão bem distante dos ideais, serviços de imigração estão demorando meses. Atendimento médico de emergência funciona bem, já o preventivo não é tão rápido como esperamos. Segurança funciona, porque não há muita criminalidade, mas passei a ouvir mais e mais relatos de furtos. Nesses casos é difícil ver alguma efetividade.

Não queria comparar com os serviços públicos do Brasil, mas comparando outros países da união europeia está bem distante do esperado.

Outro ponto é sim o preconceito que existe de portugueses com brasileiros, e neste ponto vou colocar as pessoas menos instruídas ou os mais velhos.

Portugueses são em geral muito educados, mas, infelizmente, você poderá ouvir ofensas, criticas e sofrer xenofobia.

No trabalho sempre fui muito respeitado e dispensaram sempre uma educação e civilidade que não encontro no Brasil muitas vezes. Os portugueses me explicaram um pouco desse comportamento em virtude da primeira grande leva de brasileiros que foi para Portugal nos anos 70/80.

Um exemplo que ocorreu foi quando eu estava à procura de uma casa e um dono de um apartamento disse que não alugaria para um brasileiro. Mesmo entendendo que não faríamos negócio, perguntei educadamente o motivo de tal pensamento e a resposta que recebi foi: “O ultimo inquilino era um brasileiro que ficou por 6 meses sem pagar o valor do aluguel, deixou contas enormes por pagar e levou o micro-ondas embora.”

Disse que nunca tinha passado por isso antes com outras nacionalidades, Angolanos, Moçabiquenhos, Sul africanos, mas que com Brasileiros em duas ocasiões teve algum tipo de problema.

Eu sendo dono de um apartamento no Brasil, entendo perfeitamente esta pessoa que embora esteja estereotipando e prejudicando pessoas no geral, está apenas tentando evitar problemas para a sua vida.

Fora do escritório, o mundo é completamente diferente, fui vitima de uma dessas ofensas com um motorista de aplicativos. Eu atrasei por uns 3 ou 4 minutos a minha chegada ao veículo. Logo ao adentrar o veiculo pedi desculpas pelo atraso e expliquei os motivos (mesmo que não fosse necessário).

O que eu ouvi foram uma serie de reclamações, por quase 5 minutos, quando o então senhor soltou a seguinte frase “Vocês vem do Brasil e trazem o vosso relógio convosco? São irresponsáveis e não respeitam o próximo”.

Bem eu era o mais interessado em chegar em meu destino com pontualidade, pois sim para europeus em maneira geral atrasos maiores que 5 minutos é um desrespeito muito grande.

Não fiz denuncia, apenas pelo aplicativo, devido a minha necessidade de não me atrasar ao meu compromisso.

Na Espanha, eu só tenho elogios ao lugar as pessoas etc.

Bruno César: Você sente muitas diferenças culturais entre o mercado de SAP Brasileiro e Europeu?

Fernando Lima: SAP é SAP em qualquer lugar, portanto não há muitas diferenças. Existem diferenças nas pessoas. O facilitador da Europa é que não existe essa de “protegemos o standard ao máximo” aqui o sistema é só uma ferramenta, o que se espera é um padrão de trabalho, mesmo que isso signifique o acréscimo de funcionalidades ao sistema.

No Brasil sempre temos o limite do dinheiro, então tudo tem que ser o mais standard possível, na Europa isso também é e não é um problema. Qualquer nova funcionalidade precisa lógico do orçamento e da justificativa de melhoria de processo ou atividade, mesmo que não seja um retorno financeiro. Mas desde que a necessidade seja razoável, vai ser feito.

Em relação aos profissionais, no Brasil temos cenários muitíssimos mais complexos, não estou falando apenas do tema fiscal, e que exigem que o sistema seja robusto.  Por isso na minha opinião temos profissionais que são sim infinitamente melhores do que muitos aqui na Europa.

Minhas referências continuam brasileiras, não conheço pessoas tão melhores aqui na Europa. Isso foi uma quebra de paradigma para mim. Por muitas vezes penso que temos os melhores profissionais, mas, o mais triste é que esses profissionais não estão nos melhores lugares.

E creio que por último é a cultura da trava, essa coisa do mercado brasileiro de que o sistema tem que ser infalível ou ele será usado como justificativa de um erro não existe no exterior. Nunca escutei “ Eu fiz isso porque o sistema deixou”. Apenas escuto “É eu estava errado em proceder desta maneira”.

Bruno César: E culturalmente, muda muito o ambiente de trabalho?

Fernando Lima: O  ritmo de trabalho é muito mais tranquilo, não estou dizendo que não sejam responsáveis, pelo contrário, ser responsável para o europeu é fazer bem e ser produtivo. Nada de conversas no café por mais 10 minutos. Nada de fazer horas extras sem fim, hora extra é falta de planejamento e disciplina. E o que mais me marcou foi a falta de se justificar por erros cometidos.

Brasileiro explica todas as razões fundadas e infundadas para justificar uma falha, o europeu simplesmente pede desculpas e se esforça para evitar que o erro ocorra novamente, simples assim.

Eu fiquei impressionado em uma situação em Portugal onde uma chefe questionou um funcionário por um comportamento inadequado. Logo se percebia que a tal ação do funcionário foi feita com boas intenções, mas que gerou problemas por falta de comunicação.

Naquele momento eu vi claramente um brasileiro dizendo, “Mas é que isso, ou aquilo ou por causa de outra pessoa…”.  O Português disse apenas um “Me desculpe e isso não irá ocorrer novamente” e voltou as suas atividades.

Em nenhum momento o líder nesta situação foi desrespeitoso ou fez assédio moral. Mas este comportamento de não se justificar e apenas executar foi no meu ponto de vista muito educado e interessante. 

Acho que como brasileiro, precisamos saber aplicar nossa simpatia e reconhecer nossas falhas. Essa cultura do coitado e da culpa é do outro precisa acabar. Só assim vamos fazer o nosso país ir pra frente.

 No escritório ir na mesa do colega contar o dia ou comentar da vida dos outros não existe.

Chegar na mesa de uma outra pessoa e pedir ajuda, só se você tiver a certeza que não está prejudicando as atividades do outro. Se não, marque uma reunião.

Conversa de cunho pessoal, também não é prática, chega a ser mal visto.

Conversas de assuntos aleatórios e para descontrair existe sim e são bem vindos. Mas espere uma conversa curta e um silêncio “ensurdecedor” no minuto seguinte (lembra do ser produtivo com qualidade?).

Reuniões que levam a conclusão que precisam de outra reunião existe também.  Já vi inúmeras reuniões improdutivas, mas, mais do que tudo, o objetivo é a comunicação. O ato de dizer algo pra alguém é o objetivo, não o que você vai fazer com a informação recebida.

Acho que a grande dificuldade é saber lidar com a cultura do seu público alvo. Para algumas culturas se você avança demais em um assunto, no sentido de que você foge da sequência do raciocínio já discutindo os impactos pode ser terrível para quem recebe a informação. Fazer algo de improviso mesmo que seja ir tomar uma cerveja ao final do dia que não foi planejada com algum tempo de antecedência não existe.

Há outros que gastam muita energia no lado político, sem ser objetivo.

Então o discernimento do seu público é fundamental em um continente com povos com hábitos, costumes e tradições completamente distintos.

Bruno César: Sem querer ser muito invasivo, eu gostaria de perguntar quais são os seus próximos na Europa? Vai permanecer por bastante tempo na Espanha? Ou já possui novos planos?

Fernando Lima: Em Portugal tinha o objetivo de sair de lá o quanto antes, aqui na Espanha, não. Na verdade, estou surpreendido com o lugar, com a cultura e com as pessoas. Tinha a ideia de que ainda mudaria para Suiça ou França. Sinceramente estou bem feliz onde estou e a família tem o mesmo sentimento. Aqui nos sentimos tão bem, e as vezes melhor, do que sentíamos quando estávamos na nossa casa.

Sair daqui não mais para a primeira oportunidade, mas apenas se uma oportunidade irrecusável acontecer.

Bruno César: E para outras pessoas que tenham vontade de se mudar para a Europa, quais dicas você daria?

Fernando Lima: Saia do Brasil é a primeira dica. Brincadeiras a parte. Primeiro acho que quem vem para Europa deve se sentir preparado (se bem que nunca estamos) financeiramente e emocionalmente.  Eu coloco o financeiramente primeiro por dois motivos, o primeiro seu dinheiro não vale nada, estamos falando de uma relação de quase 1 para 7.  Se for pra Portugal não estranhe pessoas pedindo 12 meses de aluguel adiantados. Começar a vida em um apartamento vazio é um misto de emoções, alegre e triste em qualquer lugar do mundo, mas a vida tem que seguir.

Nos primeiros meses o dinheiro só vai, e a estabilidade vai demorar. Burocracia existe em toda parte e serviços públicos são lentos, não espere a vida resolvida em 2 meses.

Emocionalmente é a ausência da família, esqueça churrascos e fotos com todos os parentes. Sua vida está a um oceano de distância. Cada volta para o Brasil pode ser uma despedida sem um novo olá (dificilmente chega a tempo para um velório). Esteja preparado para estar só.

Bruno César: Antes de terminar, eu gostaria de saber quais foram as maiores dificuldades que você passou em todo esse processo de mudança (incluindo a adaptação da sua esposa, filhas, etc).

Fernando Lima: Nossa vida não muda muito. Muda para a família, sem dúvida, conseguimos trabalho fácil, nosso mercado falta talento.

Para todo o resto é difícil, já começa com um novo idioma se for o caso, reconhecimento de diploma é outro problema. A área pode mudar muito do que temos no Brasil para outros países. Sem duvida vir para outro país sem ser da área de tecnologia é começar do 0. Isso se a profissão ainda for relevante neste novo lugar. Então se reinventar é sem duvida a maior dificuldade que há.

Bruno César: Fernando, quero agradecer a sua participação. Sempre achei a sua história incrível e fico muito agradecido por você compartilhar um pouco da sua experiência conosco. Foi um imenso prazer ter você aqui respondendo tantas perguntas! Tem alguma coisa a mais que você gostaria de acrescentar antes de encerramos?

Fernando Lima: Desejo todo sucesso ao projeto, vejo um potencial enorme aqui. Desejo sorte e que a caminhada seja leve na sua carreira e agradeço a oportunidade de compartilhar um pouco da minha história e a melhor sorte do mundo pra ti.

Bruno César: Eu que agradeço Fernando. Desde o dia que nos conhecemos na Suiça e fiquei sabendo da sua história, fiquei com muita vontade de ter a oportunidade de compartilha-la. Tenho certeza que suas palavras irão ajudar inúmeras pessoas que planejam trabalhar no continente europeu. Muito obrigado pela incrível entrevista.

Conclusão

Espero que tenham gostado de nossa quarta entrevista (de muitas) do nosso programa Talks.

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Caso você tenha qualquer sugestão (inclusive de assuntos que gostaria de ler a respeito ou possíveis candidatos a serem entrevistados), fique à vontade em enviar um e-mail para sapsteps@sapsteps.com.

Um grande abraço,

Bruno César

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Atuando há 16 anos na área de tecnologia da informação (mais de 10 anos especificamente como consultor SAP), Bruno César é consultor SAP especialista em Supply Chain, tendo atuado em diversos projetos globais para empresas ao redor do globo. Além de SAP, ele também se dedica a área de investimentos financeiros e escreve livros.

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