Carreira Entrevistas

Talks 01 com Marta Lima

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Introdução

É um grande prazer que hoje estamos publicando o primeiro episódio de nosso programa de entrevistas “Talks” e gostaria de agradecer tanto a nossa entrevistada do dia como a todos os seguidores do SAP Steps.

A ideia desse programa de entrevistas é conversar tanto com pessoas que estão diretamente ligadas ao mundo SAP (Consultores, Gerentes de Projeto, etc), como também entrevistar pessoas que estão do lado do “negócio” e que passaram ou estão passando por projetos SAP.

A Marta é a gerente tributária da filial brasileira de uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo.

Abaixo, irei transcrever o bate papo que tivemos sobre os grandes desafios dos projetos SAP que ela já passou como parte do negócio e também ela contou um pouco das grandes dificuldades do cenário tributário brasileiro.

Entrevista

Bruno César: Bom dia Marta, tudo bem? Antes de tudo, gostaria de agradecer por sua participação em nossa série de entrevistas. O propósito hoje é passar para os leitores do SAP Steps a visão de uma profissional experiente da área tributária sobre a área de projetos SAP. Para começar, você poderia nos falar um pouco sobre você, sobre o que você faz? Fique a vontade para dizer o que quiser.

Marta Lima: Bom Dia Bruno, igualmente agradeço a oportunidade. Admiro pessoas que empreendem na busca por simplificação num mundo tomado por criadores de complexidade para vender facilidades.

Bom, eu sou contadora de formação mas trabalho na área tributária desde 1996. Comecei minha carreira no estado de Santa Catarina/Brasil onde nasci e posso dizer, que minha carreira sempre teve uma relação indireta com o SAP, pois minha primeira oportunidade para atuar numa multinacional nasceu em 1999, pela necessidade de contratação de recursos temporários para atuar como backfill durante a implementação do SAP numa Cia de Papel e Celulose, a Klabin – a partir do go live do projeto em 2001, sempre estive em contato com projetos de implementação, upgrades de versões e implementações de novas soluções associadas ao SAP.  Por ter iniciado numa fábrica, acabei desenvolvendo minha carreira com uma base muito forte de melhoria contínua, tenho certificação em Lean Manufacturing, Six Sigma e outras metodologias que venho agregando a função tributária que exerço nas companhias em que atuo. Ao longo dos anos a combinação desse conhecimento adquirido e capacidades desenvolvidas, foi se convertendo a um viés tecnológico muito forte no meu perfil, pois a área de Tax Tecnology foi criando forma, importância e força dentro da área Tributária e sempre me identifiquei com isso. Gosto muito de desafiar a maneira como as coisas são feitas e mais que isso gosto de trabalhar e formar equipes que apresentem esta característica, para que conheçam além do usual para um recurso de tax. Gosto de pensar que contribuo com a carreira das pessoas transmitindo o que aprendi ao longo dos anos e dando uma ferramenta ainda pouco disseminada no mundo de profissionais da área fiscal.

Bruno César: Depois de ouvir um pouquinho sobre você, eu queria entrar no nosso tópico de hoje, que é justamente a área de projetos SAP. Nos conhecemos em 2019 em um projeto SAP. Eu estava atuando como consultor e você era uma das principais pessoas do projeto atuando na frente de impostos. Aquele projeto era a criação de uma nova empresa dentro do SAP, e atuamos em conjunto com o time global da empresa em questão.Sei que não foi um projeto muito fácil para os envolvidos (nunca é).

Mas, para você, qual é o maior desafio em um projeto desse porte?

Marta Lima: É difícil estabelecer qual é o maior desafio num projeto que demanda a criação de sinergia entre várias áreas, que possui um escopo amplo, concorrência por recurso e suporte global entre outros países e, nesta ocasião que você menciona, que tinha um curtíssimo período de tempo de implementação, pois o dead line foi estabelecido por um fator externo ao prazo normalmente querido para uma implementação deste porte, dado que se tratava de um entregável de um outro projeto maior de M&A. Mas dado tudo isso, eu diria que neste caso, o maior desafio foi de gestão, para orquestrar este conjunto de características e desafios para que cada área entregasse dentro do prazo e com a qualidade requerida o que é era demandado de cada um. 

Bruno César: Em sua experiência em projetos, você sente que planejamento é um ponto que costuma ser um problema? (Tanto pelo lado da empresa como da consultoria)

Marta Lima: Sem dúvida,  e os gaps de planejamento tem diversas origens, dependendo da característica do projeto, e especialmente pra quem atua em companhias globais, há ocasiões em que o mercado não é envolvido na fase de planejamento, recebe-se um MISP pré elaborado e a partir dele os mercados recebem prazos curtíssimos para fazer seus apontamentos e defender suas especificidades.  Muitas situações não mapeadas vão surgindo ao longo da realização do projeto e é requerido um alto nível de capacidade de solução de problemas dos participantes.  Mas o mundo perfeito certamente não existe e caso existisse, dificilmente seria eficiente, pois não podemos esquecer que o business precisa ser priorizado e a habilidade para acomodar essas situações inesperadas de forma eficiente acaba se tornando um diferencial para o profissional que atua neste meio. 

Bruno César: E o que você acha da questão de ter um time global gerenciando o projeto? Ajuda ou atrapalha?

Marta Lima: Ser totalmente cartesiana em afirmar se ajuda ou atrapalha, não permitiria que avaliássemos os prós e contras que uma gestão global trás.  Se eu fosse te responder esta pergunta há 15 anos atrás, certamente eu apontaria como um grande gargalo, entretanto, ao longo dos últimos anos, as organizações e a própria SAP aprimoraram muito o alcance do ERP, o entendimento sobre os desafios de cada mercado, e hoje por exemplo, dedica-se menos tempo provando a necessidade de um mercado do que no passado. Eu tenho a impressão que no passado éramos muito mais sabatinados quando trazíamos uma especificidade do mercado que precisava ser tratada no projeto. Claro que isto também está relacionado a maturidade de cada Cia em relação aos requisitos de uma implementação de um ERP. Embora o SAP esteja no Brasil há vários anos, há Companhias que implementaram recentemente e com isso, as equipes são novas, inclusive globalmente, mas não menos experientes, já que sempre que há uma situação como esta, ocorre as Cias procuram contratar recursos experientes. O que já vi ocorrer quando da formação de uma equipe nova para atender demandas SAP globalmente é uma limitação no conhecimento do busineses e consequentemente maiores questionamentos à cada requerimento. Por outro lado, atuar num projeto gerido globalmente, acaba demandando mais do profissional que está à frente do projeto aqui no Brasil. Este profissional deve apresentar habilidades de comunicação no idioma, adaptar-se a diferenças de fusos horários quando requerido, ter conhecimento e saber navegar no ambiente corporativo e tornar-se este profissional é muito positivo, pois traz uma oportunidade singular para quem quer se desenvolver nesta área.

Bruno César: E o relacionamento com os consultores do projeto. Você poderia fazer algum comentário

Marta Lima: Relacionamento é fundamental em qualquer ambiente. As responsabilidades associadas a projetos desta amplitude e consequentemente as cobranças por resultado, exponenciam organicamente o nível de stress, que se não for bem gerenciado pode trazer sérias consequências e até comprometer o resultado de um projeto. Um bom relacionamento, baseado em respeito ao humano, ao expertise de cada um para a partir daí estabelecer sólidas relações de confiança tem o poder de convergir problemas em soluções. Não sou especialista, mas percebo uma característica subjetiva na atuação de uma equipe formada por key users, consultores, PMO, quando o vínculo excede o escopo ao qual cada um foi contratado para executar e há um interesse legítimo em fazer as coisas acontecerem e darem certo. Sem mencionar obviamente, que projetos sempre me criaram oportunidades de conhecer pessoas brilhantes que tenho a alegria de chama-los de amigos até hoje.  Como quase todas as experiências na vida, projetos rendem boas brigas, frustrações e algumas decepções, mas igualmente vivências extraordinárias, como a criação de uma rede de ajuda e conhecimento que bem cultivada beneficia a todos.

Bruno César: Muitas pessoas tem muita curiosidade (principalmente estrangeiros) quando falamos de projetos no Brasil, devido a complexidade fiscal. Você, como profissional experiencia dessa área tem uma visão profunda desse ponto. Na sua opinião, porque você acha que o Brasil é um país tão complexo para projetos SAP?

Marta Lima: Na minha opinião, a dimensão territorial associada a complexidade brasileira está associada a estrutura econômica e tributária no Brasil, o regramento tributário alcança todas as operações de uma Cia fazendo com que o que seria uma simples operação principalmente sob o ponto de vista de um estrangeiro ganhe desdobramentos que até executivos brasileiros questionam. Já tive teleconferências intermináveis para explicar situações como obrigatoriedade de emissão de notas fiscais para operações simbólicas por exemplo. Você pode me perguntar, como já ouvi muitas vezes, por que o Brasil seria mais complexo que outros países grandes, com sistema tributário tão complexo quanto. Eu diria que o elemento insegurança jurídica e que resulta numa instabilidade onde as regras mudam a todo momento desafiam a capacidade de implementação dentro do prazo e qualidade requerida são a principal razão de ainda estarmos no topo da lista em relação ao número de horas investidas para atender requerimentos legais. É muito desafiador por exemplo, combinar a execução de uma governança que percorre desde a interpretação da norma, definição do escopo, realização de testes, elaboração documentação técnica e aprovação de cada fase, com os prazos que regularmente o governo determina para se implementar uma mudança. Este cenário resulta muitas vezes em períodos em que temos que estabelecer workarounds para cobrir interinamente uma obrigação até que o sistema esteja pronto.  Embora dentro deste contexto, eu realmente acredito que hoje vivemos um outro momento e ganhamos através da experiência celeridade para atuar neste contexto sem deixar de mencionar os grandes avanços tecnológicos das empresas e também do sistema tributário nacional (referência em alguns países) que tem permitido aprimorar a capacidade de cobrir os requerimentos, mas estamos distantes ainda de um cenário estável. 

Bruno César: Você tem alguma dica para estrangeiros que estejam participando ou que irão participar de um projeto no Brasil?

Marta Lima: Não sei se seria uma dica, mas uma constatação. Pelo histórico já podia ser uma premissa global: não existe template capaz de cobrir dois projetos, os projetos podem ser semelhantes, mas nunca iguais.

Se a dica for para uma consultoria estrangeira eu diria que ainda que um projeto seja gerenciado globalmente, procure ter recursos especialistas locais, pois isso abrevia muitos alinhamentos. Se a dica for para a área de tecnologia da cia que contrata as consultorias e gerencia o projeto, seria, ainda que exista uma responsabilidade associada ao PMO de projeto, de cumprir o escopo, gerir recursos e tempo com eficiência, esteja aberto para ouvir as ponderações do mercado.

Bruno César: Para você, como seria a estrutura de um projeto perfeito? (time, gestão, etc)

Marta Lima: A perfeição na acepção da palavra é uma utopia, mas uma estrutura que converge ao resultado esperado é perfeita naquilo que se propõe. Mais do que discutir estrutura de projeto, eu acho que estamos vivendo um momento de profundas mudanças nas relações de trabalho e gestão do tempo. A forma que medíamos os resultados não atende mais as necessidades da atualidade, e algumas metodologias de gestão de projetos que embora são conhecidas globalmente há mais de 10 anos como Scrum, por exemplo, começam a ser aplicadas nos projetos, alterando as estruturas que estávamos habituados a trabalhar. Pessoalmente, eu defendo estruturas que mitiguem escalonamento dos temas de maneira matricial, nas quais quanto menor for o número de reports na hierarquia e quanto menor for a distância entre quem reporta o problema e quem toma a decisão sobre a solução, melhores serão os resultados e a celeridade das soluções.

Bruno César: Agora pensando nas consultorias e nos consultores que costumam atuar nos projetos, o que você acha que eles podem melhorar?

Marta Lima: As consultorias e consultores vem se transformando ao longo do tempo. Mas ainda encontramos situações e determinados tipos de parceiros que não empreendem nos seus clientes. Elas poderiam aprimorar a forma como leem os resultados e obter com isso resultados adjacentes ao simples recebimento do valor acordado por uma implementação por exemplo. Existe muito valor associado aos resultados que as companhias alcançam e também projetam na sociedade fruto de uma atuação parceira. Quanto aos consultores, existe um comportamento raro, mas que quando encontrado transforma o nível de entrega de um consultor num projeto. De novo, não quero aqui ignorar as razões que sustentam como as relações de trabalho entre empresa e consultor, contratante e contratado são pautadas, e que delimitam o alcance da atuação do profissional alocado. Eu atribuiria mais ao perfil profissional quando demonstra a capacidade em imergir num curto espaço de tempo no escopo do projeto e entender a cultura organizacional do cliente em que está alocado, e com isso vestir verdadeiramente a camisa do projeto. Eu não diria a camisa da empresa contratante, porque aí eu já estaria avançando para um cenário que não sou especialista para tentar definir o que seria vestir a camisa de uma empresa. Até porque muitas vezes o consultor é um profissional independente que sequer tem uma relação de trabalho estabelecida com a consultoria que o alocou. Mas eu vejo que algumas vezes alguns profissionais não dissociam a independência característica de seu modelo de atuação da falta de envolvimento e engajamento com o projeto e existe um distanciamento que funciona quase como uma margem de segurança em que os consultores se apoiam e com isso muitas vezes não se envolvem profundamente com o objetivo do projeto.  Não falo aqui de um envolvimento emocional quase que irracional, mas um envolvimento que diferencia o nível de comprometimento que o consultor demonstra e aplica na sua atuação. 

Bruno César: Para você, quais são os 3 maiores desafios de um projeto SAP?

Marta Lima: Parece até incongruente por serem pontos tão chaves num projeto, mas na minha visão os 03 maiores desafios são definir o escopo corretamente, alocar os recursos adequados que terão o conhecimento necessário seja do ponto de vista de negócio, seja do ponto de vista técnico da ferramenta e a realização dos testes. Isso porque há um encadeamento muito grande entre estes três pontos. Somente com um escopo bem definido, será possível fazer o correto mapeamento de cenários que serão implementados/desenvolvidos e testados. Alocar as pessoas corretas permite por exemplo, que um possível gap de definição de escopo, ainda que já com uma certa perda de eficiência, já como change request, seja capturado e possíveis issues que comprometeriam o resultado do projeto sejam mitigados a tempo. Infelizmente ainda é comum que parte destas etapas sejam negligenciadas e por exemplo na fase de teste não se tem a correta visibilidade do alcance da implementação seja para se ter clareza que tudo foi coberto, seja para não pecar por preciosismo em um cenário menos relevante em detrimento de outro cenário muito mais importante. 

Bruno César: O que você acha sobre o ponto do idioma em projetos globais? Como tem sido sua experiência no decorrer da sua carreira?

Marta Lima: Não é possível participar de um projeto numa posição chave, de gerenciamento de projetos por exemplo, sem dominar o idioma principal que será utilizado. Se estamos falando de um projeto regional em que o PMO e os consultores falam espanhol, é requerido o domínio do espanhol, se trata-se de um projeto global, em que o idioma principal é o inglês a pessoa chave precisa dominar o inglês. A comunicação em si já é eivada de vícios e desafios que restringem a capacidade de uma mensagem chegar adequadamente ao destinatário, se acrescentarmos a isso, o limite de conhecimento do idioma pode-se enfrentar resultados desastrosos. O que tenho visto acontecer e de maneira muito positiva, e especialmente falando da área tributária que ainda sofre as limitações com relação a recursos que dominem um segundo idioma, é oportunizar que pessoas que ainda não dominam o idioma, mas que já tem um nível de compreensão comecem a atuar em projetos. Quando falamos de key users, no entanto, o que não podemos de maneira nenhuma perder de vista, é que em funções técnicas e num cenário de escassez de recursos bilingues, que é preferível ter uma pessoa que domine os aspectos técnicos da área de business que atua, e arcar com o ônus das traduções e transcrições dos requerimentos, a alocar um recurso fluente em inglês que não conheça a operação e tenha autonomia para fazer definições de processo que podem comprometer os resultados do projeto ou num cenário mais grave ainda, a operação da companhia, expondo-a por exemplo, a riscos tributários.  

Bruno César: Marta, quero agradecer a sua participação. Foi um imenso prazer ter você aqui respondendo tantas perguntas! 

Marta Lima: O prazer foi todo meu!

Bruno César:  Por hoje é isso pessoal, agradeço de coração a presença de nossa convidada Marta Lima e espero que todos gostem do bate-papo que tivemos hoje.

Conclusão

Espero que tenham gostado de nossa primeira entrevista (de muitas) do nosso programa Talks.

Se você gostou desse conteúdo, peço que compartilhe com amigos e deixe um comentário com a sua opinião.

Caso você tenha qualquer sugestão (inclusive de assuntos que gostaria de ler a respeito ou possíveis candidatos a serem entrevistados), fique à vontade em enviar um e-mail para sapsteps@sapsteps.com.

Um grande abraço,

Bruno César

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Atuando há 16 anos na área de tecnologia da informação (mais de 10 anos especificamente como consultor SAP), Bruno César é consultor SAP especialista em Supply Chain, tendo atuado em diversos projetos globais para empresas ao redor do globo. Além de SAP, ele também se dedica a área de investimentos financeiros e escreve livros.

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